Fernando Assis Pacheco

BARRA DE AVEIRO: UM AGOSTO

Começam a morrer os últimos pianos do século
arrefece o estio na cabeça
agora almoço e já cai o crepúsculo
esse que me fugia por aí esse tempo
o mesmo rio não se contempla duas vezes no rosto do homem
debruçado fumando no molhe do marégrafo
a mesma Barra de Aveiro não é a mesma
o engenheiro Oudinot sentiria um aperto de coração idêntico

tive todas as alegrias e melancolias assim dito por alto
próprias das idades sucessivas mas nenhuma
que iludisse deveras a velha constatação jónia
cada gesto de mão é sempre um outro

nem sou sequer quem muda mas um outro

Memórias do Contencioso, 1980