24 set 2020

Nota de pesar • Maria Aliete Galhoz

Faleceu a investigadora pessoana Maria Aliete Galhoz, a primeira editora do Livro do Dessassossego.

Maria Aliete Farinho das Dores Galhoz (1929-2020) Dedicou grande parte da sua vida à literatura e ao estudo de Fernando Pessoa.

No seu contributo para os estudos pessoanos, destaca-se o trabalho com os fragmentos que constituem o Livro do Desassossego.

Trabalhou neles nos anos 1950 com Jorge de Sena, com o objectivo de organizar estes textos, finalmente, em forma de livro. O exílio de Jorge de Sena em 1959 fez com que abandonasse o projecto que ficou adiado por mais de uma década. Só em 1982, se publicou a primeira edição do Livro do Desassossego, assinada por Maria Aliete Galhoz e Jacinto do Prado Coelho.

Anos antes, em 1960, Maria Aliete Galhoz foi responsável pela chegada de Pessoa ao Brasil, organizando para a editora José de Aguilar o histórico volume “Obra Poética” de Fernando Pessoa, em papel bíblia, com perto de um milhar de páginas.

A segunda edição, revista e aumentada com prosa inédita, foi publicada em 1965. Nesta obra, além das recolhas, das transcrições e das notas, sugere que o “Dia Triunfal” mais não era que uma data de “ficção literária”, criada por Fernando Pessoa para enquadrar a criação dos heterónimos.

Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professora do ensino secundário, durante perto de vinte anos, desde estudante que se dedicou à pesquisa literária, tendo colaborado com Lindley Cintra no Centro de Estudos Filológicos, e com Viegas Guerreiro no Centro de Estudos Geográficos. Ensaísta e incansável investigadora, é autora de numerosos estudos sobre poesia e poetas portugueses, com destaque para Fernando Pessoa. Do seu currículo faz também parte a pesquisa sobre literatura popular portuguesa, estando ligada ao Centro de Tradições Populares Portuguesas da Universidade de Lisboa.

Deixou colaboração dispersa nas revistas "Boletim de Filologia", "Colóquio", "O Tempo e o Modo", "Nova Renascença" e em vários jornais. Colaborou e fixou os textos de "Poemas Esotéricos" de Fernando Pessoa em 1993. No campo da investigação da Literatura Tradicional Oral Portuguesa publicou Pequeno Romanceiro Popular Português (1977),  Romanceiro Popular Português (1998), Memória Tradicional de Vale Judeu (1996), Memória Tradicional de Vale Judeu II (1998), Romanceiro do Algarve (2005). Escreveu três livros de poesia: Poeta Pobre (1960), Décima Quinta Matinal Esquecida - Acto da Primavera (1967), Poemas em Rosas (1985). Em prosa publicou o livro de contos intitulado Não Choreis Meus Olhos (1971).

Em 1999, foi agraciada com o grau honorífico de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1999), que recebeu das mãos do então Presidente da República Jorge Sampaio. A Câmara Municipal de Loulé deu-lhe a Medalha Municipal de Mérito, grau prata, em 1994. Recebeu ainda um doutoramento Honoris Causa pela Universidade do Algarve, em 1996.

Nos arquivos de Cultura Portuguesa Contemporânea que estudou, decifrou e interpretou, o espólio de Fernando Pessoa teve sempre lugar de destaque. Maria Aliete Galhoz declarou, a propósito desta experiência, a sua constante surpresa e o deslumbramento, neste poeta, da fulguração do «encontro» de um fulcro de poema, forte, protagonizado, muitas vezes, num primeiro verso, inamovível, e a sua luta por construir o poema à altura dessa primeira fulguração: tenteando, riscando, optando, retomando, e, ao fim, a impecabilidade do conseguido. A minha alegria perante tal está escrita nos cadernos das transcrições, ao lado, com a exclamação «Perfeito!».

Agradecemos com sinceridade e reconhecimento o seu trabalho tão importante. A sua dedicação, espírito crítico e rigor contribuíram para que hoje a singular escrita de Pessoa fosse lida e conhecida por tanta gente.

À família e amigos, expressamos as nossas sentidas condolências.